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Contos escritos por mim~ beapuririn

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

A Heroica loucura cinzenta



Monotonia.
Era o que preenchia aquela vida, o que movia a mão naquele traço marcante da vívida cor vermelha em meio aquelas letras tortas de grafite, era o que corroía cada resto de alma daquele homem. Os pensamentos eram rotineiros, como o de um robô programado, onde nem a própria mente variava. Acordava e já se colocava a andar com passos cambaleantes pela casa. Pegar o telefone e ligar para sua mãe, ir ao banheiro se barbear, comer sua comida que descia como uma massa asquerosa pela garganta e ir à escola corrigir as redações das crianças da sexta à oitava série. Depois era comer mais, higiene pessoal e logo depois dormir, dormir para não se render a insanidade de alguém sem vida.
       Roboticamente fez tudo que fazia de manhã e se sentou naquela cadeira…quente? Onde costumava trabalhar. Uma pilha de papéis estava ali esperando para ser corrigida. Suspirou, tomando ar e coragem para começar tudo aquilo, pegou a primeira e pôs à sua frente. Seus olhos passeavam pela folha, mas não lia com o coração, lia com a mente. Frígido…“bonbeiros”… que erro idiota, assim riscou e escreveu o certo em cima, voltando a um ciclo cansativo. Riscos e números. O cinza tomou sua vida, e as únicas cores que viviam era o escarlate vermelho da caneta e um pouco do azul do uniforme da delicada menina que as vezes ia o ver ali, com que intuito? Nem ele mesmo sabia. Era recorrente algumas alunas cobrar mais nota dele, e por um pequeno ato de bondade as vezes aumentava meio ponto. Já estava na metade daquelas folhas que o exigiam toda a atenção, ironicamente por não ler de verdade, e foi quando aconteceu a primeira surpresa que foi ouvir a voz da menina que sempre vinha, o que será que ela tinha? Estava com aquelas mãos de dedos finos na lateral da porta, e aqueles cabelos negros em um penteado mal feito de coque lateral, onde saia os fios mas de uma forma bonita. A voz dela era suave e aveludada, parecia entrar em sua mente como uma canção. “Você corrige redações, não é professor? ” o adulto ouviu aquilo se perguntando internamente com que intenção ela falava aquilo, mas por outro lado, era inevitável um conforto, algo diferente na sua rotina rígida como uma pedra, uma pedra que era como um túmulo para sua alma que quase nem existia mais. Ele mantinha os olhos castanhos na folha mas falou gentilmente com a voz levemente rouca, quase a sumir “eu era professor substituto. Até que os outros professores estavam com a carga horária muito cheia e agora corrijo a redação de vocês, as vezes algumas provas. Enfim, matou sua curiosidade?” Apenas após responder se pôs a olhar ela com aquela expressão gentil, mas lúgubre se olhasse no fundo daqueles olhos. Aqueles olhos pueris acinzentados e brilhantes que ela tinha. Admirava os menores. Eram tão cheios de vida, de cores, de alegrias. Quando a realidade não agrada, eles apenas tampam os ferimentos com coisas boas, invejava tanto aquilo. A pureza, a verdade, os sonhos, eram características que toda criança tinha, e adorava preservar aquilo. Mas isso apenas o piorava ainda mais internamente, pois estava longe de ser assim. Sua vida era um inferno torturante. Aquele momento tão doce só podia ser efêmero, pois a realidade não era pura como aquela aluna, ela tinha apenas sorrido e saído, logo que ele respondeu. Porfiava dúvidas em sua mente, mas balançou a cabeça de leve e voltou a corrigir sendo engolido pela melancolia novamente, não conseguia nem se acostumar com sua realidade por passar tanto tempo nela, porque quando dormia seus sonhos eram felizes, o que fazia ele ver ainda mais que nunca seria capaz de ser feliz. Soltou o ar que guardava pesadamente e respirou como um voto de coragem, havia corrigido todas. Segurou sua maleta de trabalho envolvendo os dedos na alça e se pôs a andar para casa, que não era tão perto de lá.
        Abriu os olhos. Porque abrir os olhos e não dormir mais? Trabalho. Seu único valor para o mundo, nem o seu nome alguém sabia. Era apenas sua profissão, professor. E mais que, isso era um ser humano. Virou-se trêmulo tomando suas pílulas que ficavam na mesa do lado animalescamente, engolia várias vezes e se deitou novamente. Olhando para o teto, branco, alvo como uma folha de papel, que era como sua mente naquele momento. Até que quando o silêncio estava a pairar de uma forma de acalmar qualquer um, ouviu um grito do apartamento da frente, para variar, a vizinha com síndrome do pânico depois de usar drogas. Porque nunca havia tentado? Talvez esse fosse o método mais rápido de tentar distrair sua mente. A mola de sua cama rangeu quando perdeu o peso que estava sobre ela, fez tudo o que deveria fazer, como um bom robô deveria fazer. As nuvens escondiam qualquer resquício do sol, deixando o escuro e o frio prevalecer, conversas paralelas, carros, aqueles sons o envolviam em um certo vazio absoluto, o tintilar do pequeno sino da loja de conveniências o deu uma ideia. Adentrou a loja vendo as cores das embalagens até chegar ao caixa “Um maço por favor.” O vendedor perguntou preferência de marca e ele falou qualquer uma ali exposta. Hesitante, ao ver o homem que parecia ter sua idade dar uma risada, com a caixa em mãos, foi saindo até que o vendedor se direcionou a ele “Hein! Não vai querer um isqueiro não?” Ele se lembrou desse detalhe e meio ficou constrangido voltando ao caixa. O ruivo irônico vendeu ao professor e olhando nos olhos dele deu um meio sorriso afiado “ Bom pirulito de câncer para você. Dá para ver na sua cara que nunca fumou!” Com uma risada ele se afastou indo ao fundo da loja, ignorou aquilo. Era previsível assim? Era tão explícito o que sentia ou pensava? Não gostava de pensar daquela forma. Saiu da loja, cigarro na boca, isqueiro na mão, e a primeira vez que aquela fumaça era respirada ele tossia como se estivesse engasgado, provavelmente era o pouco de saúde que ainda tinha que não queria estar naquele corpo e saia por sua garganta, e até suas entranhas ficariam negras como sua mente. Deu uma risada forçada, rindo de si mesmo por tal atitude idiota, guardou no bolso e foi para a escola. Cadeira, folhas, caneta. Ao menos tinha poucos para corrigir dessa vez. “ Você chegou atrasado…” Aquela voz, virou-se bruscamente, era a mesma menina que sempre o vinha ver, depois de muito tempo, deu um resquício de sorriso, depois de muito tempo, alguém ver ele como alguém era muito gratificante. Mas porque ela fazia isso? “ Um dia você lê uma redação para mim? Ou você pode ler uma minha!”… Sua mente não conteve a pergunta indelicada. “ por que está perguntando? Por que está sempre aqui? Não tem mais nada para fazer? ” ela olhou para baixo e saiu. Parecia triste, aquilo o corroeu e estragou tudo o que tinha acontecido de quase bom no dia. A tristeza sempre iria superar qualquer felicidade vã e efêmera.
       Um dia ouviu dizer que os bebês choravam ao nascer porque o mundo era muito ruim e eles queriam voltar para o quentinho do útero. Então pode se dizer que era um bebê. Mas sua mãe tinha Alzheimer, assim as vezes ligava, mesmo ela não o conhecendo era uma mulher muito animada, então falava seu estado físico. Ir a escola. Como sempre. Mas era quinta, mais alguns dias e o fim de semana chegaria. O dia de tomar remédios para dormir. Sentou-se olhando aquelas letras tortas. Tema: disserte sobre o ultimo sonho que teve. Típico tema, já havia corrigido algumas desse. Até que sentiu uma presença, mas já imaginou quem era, murmurou uma audível e reprimido… “Desculpe ter sido indelicado.” Aquela risada meiga preencheu sua mente, e a doce menina respondeu animada “tudo bem! É que você sempre esteve sozinho, nenhum professor, ninguém fala com você!” Ele deu um meio sorriso onde a gentileza e a tristeza se fundiam, assim ela se aproximou tocando no ombro dele e lendo por cima da redação sobre a mesa “ Nossa! Que tema estranho para se sonhar né? Estupro…. Professor professor! Imagina se tudo isso… Fosse real? Como assim? Huhu! Você sempre coloca um pouco de si em tudo que escreve! Você tem um cargo importante! Não só corrigindo como vendo o que se passa com meus amigos de classe né? Hum, logo vai tocar o sinal. Um dia quer que eu te faça companhia aqui?…. T-Tchau!” Maçaneta puxada e porta fechada. Suspiro pesado. Parou por alguns segundos que se tornaram minutos, sem nenhum movimentos exterior, mas sua mente estava um emaranhado confuso onde a linha de pensamentos havia se perdido há muito tempo, mas os feixes de pensamentos eram como nuvens escuras a tomar o céu nublado. Tudo aquilo era verdade? As pessoas se espelham em cada linha exigida pelos professores? Assim começou a ler aquela redação languidamente cruel, seus murmúrios eram como uma oração, tinha um costume estranho de quando concentrado demais ler em voz baixa. Naquelas linhas retratava um sonho confuso onde uma doce garotinha era violada por um homem horrendo de cabelos negros curtos, curvo e usava uma gravata, que foi usada para amordaçá-la. Aquilo era desumano, contraia os dedos contra sua mão com força, como seu punho desejasse descontar todo o ódio que o subiu, o ódio cego que era capaz de o fazer perder a consciência. Os dedos foram ao seu couro cabeludo como um impulso, onde se arranhou olhando para aquele texto. Aquilo era insano, mas insanidade não era o que desejava? Pessoas insanas são felizes pois são inconsequentes como crianças a aprontar no parquinho do jardim de infância. Lia coisas como aquelas todos os dias e não tinha visão disso? Como era iludido. Sempre olhando para baixo, não via o que estava à sua frente, aquele muro que precisava ser quebrado. Aquele era o sentido de sua vida? Mudar tudo aquilo? Como apenas algumas palavras de uma estudante mudou tanto sua vida? Estava enlouquecendo, deu uma risada nervosa e baixa como se tivesse tirando sarro de si mesmo. Começava a ler atentamente, com seu coração, todas as redações que haviam na pilha, eram belas, tristes outras feitas de qualquer forma por alunos que queriam apenas se divertir e não ter nota, tinha algumas tão absurdas que chegava a ser cômico, aquilo era a essência infantil que tanto admirava. Pousou a caneta e deitou a cabeça na mesa, ainda pensava em algumas redações tão tristes que havia lido, queria salvar elas, queria fazer a mente dessa criança não ser negra como a dele, e assim depois de um tempo, a sua mente moldava cada arma enquanto suas pernas o levavam para casa.
        Sábado. Um dia que sem trabalho, não havia sentindo algum, mas agora sua mente guiava suas pernas para lugar nenhum, a cidade cinzenta tinha tantos rostos, cada ser humano ali tinha uma vida, uma história, um coração. Uma das redações que havia lido falava sobre uma mulher que cozinhava nuvens, e logo que passou em frente a um supermercado havia uma mulher com uma panela, era ela. O mundo era tão lindo daquela forma que ele estava vendo, nunca imaginou que uma aluna pudesse o mudar tanto, seus passos eram silenciosos em meio a tanto barulho ao seu redor, os carros, as conversas, o vento. Como se o vento fosse o seu guia do dia, estava andando, até que sentiu uma pressão em seu ombro, brusca o suficiente para o fazer despertar, mas mais que isso, despertar de sua calma, cabelos negros curtos, curvo, seu terno monocromático tirando pela gravata escarlate, a cor forte que fez gritos que chiavam em sua cabeça ficarem ainda mais altos a ponto de se sentir tonto e o sangue lhe subir, que sensação era aquela? Era um frenesi, uma gravata vermelha que lhe cobria os olhos, mas insanidade não era o que desejava? Tossia, como se algo quisesse sair de dentro dele, seus dedos pressionaram-se contra o ombro do homem que parecia preocupado, se sentia culpado. “M-Me leva ali!” O vento que o guiava ajudou a levar palavras tão sussurradas aos ouvidos do homem de terno, segurando o professor, o levou até o beco sem questionar, ali, a pureza seria salva, jamais corrompida. Sua mão trêmula, o titeriteiro não estava a controlar bem o seu marionete? Estava. Pegou a gravata do homem que já respirava forte para gritar, mas logo sua boca foi tampada pelo vermelho, assim como fez com a menina, o frenesi estava a dominar o professor por completo, que pegou a chave de casa e segurando entre o indicador e o do meio contra a palma de sua mão, um punho controlado pela mão do salvador da pureza, os gritos abafados do homem não eram ouvidos por ninguém, até o ferro entrar em sua têmpora, sentia a carne quase do nervo ocular, uma risada nervosa, a gravata, a caneta que corrigia, os olhos que ardiam em lágrimas de desespero , tudo aquilo, toda a sua vida era afogada em um vermelho forte e macabro como aquele sangue em sua mãos, não, não, não! Aquele céu sobre ele, azul como o terno da pura aluna o guiava novamente, precisava esconder os vestígios, não, precisava parecer que ele havia caído de um prédio de cabeça, a respiração era bem mais rápida que o barulho irritante que o relógio faz, e seu coração regulava com isso, sentindo pontadas que quase emergiam de seu peito. Segurou a caçamba de lixo, e soltou na cabeça do homem, um barulho estranho, e logo, o encéfalo escorria, róseo acinzentado, asqueroso e viscoso da entranhas, aquilo não parecia humano, e seu estômago revirava querendo vomitar, mas imaginou um sorriso infantil doce, agora tudo estava certo… Quem estava ali? O som de passos. Quando seus olhos mareados subiram, viram o semblante chocado da doce aluna dos belos cabelos negros, palavras não o saiam da boca. Até que saem da dela. “Meu…. Meu herói!” E correu abraçando o adulto que tremia em desespero e orgulho do feito violento. “Eu escondo o corpo! Corre! Corre para fora daqui professor!”, e assim fez, o homem em meio a uma loucura saiu correndo pelo asfalto, contra o vento, em direção para casa, com aquela chave ensanguentada em sua mão, a menininha olhava para aquele corpo, finalmente alimento, ela se ajoelhou, e com aqueles olhos tão meigos encarava o peito do homem, aquela mão de dedos finos estavam com unhas animalescas, que perfuraram a caixa torácica do homem e logo de seus lábios rosados e pequenos escorriam a carne que seus dentes trituravam, não era tão fácil para humanos, mas para ela sim. aquela textura macia e quase emborrachada, consistente, que por trás tinha fluidos corpóreos que adorava saborear, precisava logo chegar ao intestino, um toque, curiosa a pequenina segurou o celular o cadáver [lembrete- formatura da filha], “que irônico~ Huhu!” E logo tornou a devorar, esse talvez fora o humano mais fácil de manipular. Henry Darger.

Um comentário:

  1. Muito bom!! Eu tenho um blog de poesias...Se tiver curiosidade é esse aqui www.beladescant.wordpress.com

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